sexta-feira, 4 de maio de 2012

SÉRIE: Poder, Política e Estado - 2a. Série E.M. - 2º Bim.

O Poder e o Estado

Norbert Elias diz, em seu livro A sociedade dos indivíduos, que há uma tendência nas ciências sociais de não considerar o Estado como objeto da So­ciologia. Ele afirma que isso vem de uma antiga tradição intelectual que vê o Estado como algo extra-social ou até oposto à sociedade. Desde o século XVIII, o termo "sociedade" - ou "sociedade civil" - era usado como contraposição a "Estado", pois havia interesse da classe em ascensão, a burguesia, em acentuar essa separação. Com isso, procurava-se destacar a idéia de que uma classe ape­nas, a nobreza, detinha o monopólio do poder do Estado.
Essa idéia de separação entre sociedade e Estado dominou por muito tempo e prejudicou a compreensão de que o Estado é uma organização encarregada de determinadas funções e que sua constituição é um processo histórico como tantos outros. Vamos verificar como os grandes autores da So­ciologia abordaram essa questão:


As teorias sociológicas clássicas sobre o Estado

Marx, Durkheim e Weber, os três autores clássicos da Sociologia, tiveram, cada um a seu modo, uma vida política intensa e fizeram reflexões importantes sobre o Estado e a democracia de seu tempo. Vamos ver o que pensavam sobre esses temas.

Karl Marx: Tendo escrito sobre as questões que envolvem o Estado num período em que o capitalismo ainda estava em formação, Marx não formulou uma teoria específica sobre o Estado e o poder. Num primeiro momento, ele se aproximou da concepção anarquista, definindo o Estado como uma entidade abstrata, em contradição com a sociedade. Seria uma comunidade ilusória, que procuraria conciliar os interesses de todos, mas principalmente daqueles que dominavam economicamente a sociedade.
No livro A ideologia alemã, escrito em 1847 em parceria com Friedrich Engels, Marx identificou a divisão do trabalho e a propriedade privada, ge­radoras das classes sociais, como a base do surgimento do Estado, que seria a expressão jurídico-política da sociedade burguesa. A organização estatal apenas garantiria as condições gerais da produção capitalista, não interferindo nas relações econômicas. Em 1848, no Manifesto comunista, Marx e Engels afirmaram que os dirigentes do Estado moderno funcionavam como um comitê executivo da classe dominante (burguesia).
Nos livros escritos entre 1848 e 1852, “As lutas de classe na França” e “O de­zoito brumário de Luís Bonaparte”, analisando uma situação histórica específica, Marx declara que o Estado nasceu para refrear os antagonismos de classe, e, por isso, é o Estado da classe dominante. Mas existem momentos em que a luta de classes é equilibrada e o Estado se apresenta com independência entre as classes em conflito, como se fosse um mediador.
Analisando a burocracia estatal, Marx afirma que o Estado pode estar acima da luta de classes, separado da sociedade, como se fosse autônomo. É nesse sentido que pode haver um poder que não seja exercido dire­tamente pela burguesia. Mesmo dessa forma, o Estado continua criando as condições necessárias para o de­senvolvimento das relações capitalistas, principalmen­te o trabalho assalariado e a propriedade privada.
No livro A guerra civil na França, escrito em 1871, Marx analisa a Comuna de Paris e volta a olhar a questão do Estado de uma perspectiva que se aproxi­ma da anarquista. O desaparecimento do Estado seria resultante da transferência do poder para a federação de associações dos trabalhadores.
“Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi acompanhada de um pro­gresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, asso­ciação armada e autônoma na comuna, aqui república urbana independente, ali terceiro estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.” (MARX, Karl - Manifesto comunista).
Para Karl Marx o Estado é, portanto, uma organização cujos interesses são os da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia.

Émile Durkheim. Ao analisar a questão da política e do Estado, Durkheim teve como referência fundamental a sociedade francesa de seu tempo. Como sempre esteve preocupado com a coesão social, inseriu-a de forma clara na ques­tão. Para ele, o Estado é fundamental numa sociedade que fica cada dia maior e mais complexa, devendo estar acima das organizações comunitárias.
Durkheim dizia que o Estado "concentrava e expressava a vida social". Sua função seria eminentemente moral, pois ele deveria realizar e organizar o ideário do indivíduo e assegurar-lhe pleno desenvolvimento. E isso se faria por meio da educação pública voltada para uma formação moral sem fins conceituais ou reli­giosos. De acordo com o filósofo, o Estado não é antagônico ao indivíduo. Foi o Estado que emancipou o indivíduo do controle despótico e imediato dos grupos secundários, como a família, a Igreja e as corporações profissionais, dando-lhe um espaço mais amplo para o desenvolvimento de sua liberdade.
Para Durkheim, na relação entre o Estado e os indivíduos, é importante saber como os governantes se comunicam com os cidadãos, para que estes acompanhem as ações do governo. A intermediação deve ser feita por canais como os jornais e a educação cívica ou pelos órgãos secundários que estabelecem a ponte entre governantes e governados, principalmente os grupos profissionais organizados, que são a base da representação política e da organização social.
Quando se refere aos sistemas eleitorais, Durkheim critica os aspectos numéricos do que se entende por democracia. Tomando como exemplo as eleições de 1893 na França, declara que havia no país, naquele ano, 38 milhões de habitantes. Tirando as mulheres, as crianças, os adolescentes, todos os que eram impedidos de votar por alguma razão, apenas 10 milhões eram eleitores. Desses 10 milhões, foram votar em torno de 7 milhões. Os deputados eleitos, ou seja, os vencedores das eleições, somaram 4.592.000 de votos e os que não venceram tiveram 5.930.000 de votos, número superior ao dos vencedores. Conclui Durkheim: “se nos ativermos às considerações numéricas, será preciso dizer que nunca houve democracia”.
“Como é necessário haver uma palavra para designar o grupo especial de funcio­nários encarregados de representar essa autoridade [a "autoridade soberana" a cuja ação os indivíduos estão submetidos], conviremos em reservar para esse uso a palavra Estado. Sem dúvida é muito freqüente chamar-se de Estado não o órgão governamental, mas a sociedade política em seu conjunto, o povo governado e seu governo juntos, e nós mesmos empregamos a palavra nesse sentido. Eis o que define o Estado. É um grupo de funcionários sui generis, no seio do qual se elaboram representações e volições que envolvem a coletividade, embora não sejam obra da coletividade. Não é correto dizer que o Estado encarna a consciência coletiva, pois esta o transborda por todos os lados. É em grande parte difusa; a cada instante há uma infinidade de sentimentos sociais, de estados sociais de todo o tipo de que o Estado só percebe o eco enfraquecido. Ele só é a sede de uma consciência especial, restrita, porém mais elevada, mais clara, que tem de si mesma um sentimento mais vivo.” (DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia).
Para Durkheim, portanto, o Estado é uma organização com um conteúdo inerente, ou seja, os interesses coletivos.

Max Weber: Cinqüenta anos depois da publicação do Manifesto comunista, por Marx e Engels, num momento em que o capitalismo estava mais desenvolvi­do e burocratizado, Weber escreveu sobre as questões do poder e da política. Questionava: como será possível o indivíduo manter sua independência diante dessa total burocratização da vida? Esse foi o tema central da Sociologia política weberiana.
Se Durkheim tinha como foco a sociedade francesa, Weber manifestava uma preocupação específica com a estrutura política alemã, mas levava em conta também o sistema político dos Estados Unidos e da Inglaterra. Além disso, estava atento ao que acontecia na Rússia, principalmente após a revolução de 1905.
Para ele, na Alemanha unificada por Otto Von Bismarck, o Estado era fun­damentado nos seguintes setores da sociedade: o Exército, os junkers (grandes proprietários de terras), os grandes industriais e a elite do serviço público (alta burocracia). Em 1917, escrevendo sobre Bismarck, dizia que este havia deixado uma nação sem educação e sem vontade política, acostumada a aceitar que o grande líder decidisse por ela.
Ao analisar o Estado alemão, Weber afirma que o verdadeiro poder estatal está nas mãos da burocracia militar e civil. Portanto, para ele, o "Estado é uma relação de homens dominando homens" mediante a violência, considerada legítima, e "uma associação compulsória que organiza a dominação". Para que essa relação exista, é necessário que os dominados obedeçam à autoridade dos que detêm o poder. Mas o que legitima esse domínio? Para Weber há três formas de dominação legítima: a tradicional, a carismática e a legal.
A dominação tradicional é legitimada pelos costumes, normas e valores tradicionais e pela "orientação habitual para o conformismo". É exercida pelo patriarca ou pelos príncipes patrimoniais.
A dominação carismática está fundada na autoridade do carisma pessoal (o "dom da graça"), da confiança na re­velação, do heroísmo ou de qualquer qualidade de liderança individual. É exercida pelos profetas das religiões, líderes militares, heróis revolucionários e líderes de um partido.
A dominação legal é legitimada pela legalidade que decorre de um estatuto, da competência funcional e de regras racionalmente criadas. Está presente no compor­tamento dos “servidores do Estado”.
“‘Todo o Estado se funda na força’, disse Trotski em Brest-Litovsk. Isso é realmente certo. Se não existissem instituições sociais que conhecessem o uso da violência, então o conceito de ‘Estado’ seria eliminado, e surgiria uma situação que pode­ríamos designar como "anarquia", no sentido específico da palavra. Hoje, porém, temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território. O Estado é considerado como a única fonte do "di­reito" de usar a violência. Daí ‘política’, para nós, significar a participação no poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado.” (WEBER, Max. Ensaios de sociologia.)
Para Max Weber, portanto, o Estado é uma organização sem conteúdo ine­rente; apenas mais uma das muitas organizações burocráticas da sociedade.


Democracia, representação e partidos políticos

As diversas formas que o Estado assumiu na sociedade capitalista estiveram ligadas à concepção de soberania popular, que é a base da democracia. Mas tal soberania só se torna efetiva com a representação pelo voto. Para ampliar o número de pessoas com direito de votar e ser votadas foram necessárias muitas lutas. Isso significa que o liberalismo só se tornou democrático porque foi forçado a isso. Na época do liberalismo clássico, somente o homem adulto economicamente independente tinha instrução e era considerado capaz de dis­cernimento para tomar decisões políticas. Desse modo, a representação durante muito tempo foi bastante restrita.
Tomemos como exemplo a In­glaterra, a pátria do parlamentaris­mo e da democracia moderna. Logo após a chamada Revolução Gloriosa (1688), que limitou os poderes do rei e atribuiu ao Parlamento autori­dade sobre o governo, somente 2 % da população tinha direito de voto. Em 1832, quase 150 anos depois, após uma reforma eleitoral, esse ín­dice subiu para 5%. As mulheres só conquistariam o direito de votar em 1928.
Podemos entender muito me­lhor a "igualdade política" defendida pelo pensamento liberal, que é a base ideológica do sistema capitalista, quando lemos o que disseram grandes pensadores liberais, como Benjamin Constant (1787-1874), Immanuel Kant (1724-1804) e Edmund Burke (1729-1797).
O pensador francês Benjamin Constant afirmava que as pessoas condena­das pela penúria ao trabalho diário e a uma situação de eterna dependência não estavam mais bem informadas acerca dos assuntos públicos que uma criança; por isso, não podiam desfrutar o direito eleitoral. Era necessário ter o tempo livre indispensável para adquirir os conhecimentos e os critérios justos. Só a propriedade proporcionava esse tempo livre e deixava os indivíduos em condi­ções de exercitar os direitos políticos.
Immanuel Kant, filósofo alemão, afirmava que para exercer os direitos políticos era necessário não ser criança ou mulher. Mas não bastava a condição de homem; era preciso ser senhor de uma propriedade que lhe desse sustento. O dependente, o criado e o operário não podiam ser membros do Estado e não estavam qualificados para ser cidadãos.
Edmund Burke, pensador inglês de visão conservadora, ao analisar os pe­rigos da Revolução Francesa para a sociedade burguesa, afirmava que somente uma elite tinha o grau de racionalidade e de capacidade analítica necessário para compreender o que convinha ao bem comum. Afirmava ainda que a propriedade garantia a liberdade, mas exigia a desigualdade.
Essas idéias ainda estão presentes nos dias de hoje, expressando-se, por exemplo, quando se afirma que o povo não sabe votar, que para ser deputado, senador ou mesmo presidente da República são necessários determinados atributos que, normalmente, só os membros das classes proprietárias possuem, como nível universitário, experiência administrativa, etc. A ação e o discurso contra a presença de trabalhadores, ou daqueles que defendem seus direitos, no Parlamento ou em cargos executivos, é algo muito antigo, mas está pre­sente na sociedade contemporânea em geral, e muito claramente no Brasil.
Muitas pessoas também pensam que só se pode fazer política institucional por meio dos partidos políticos. Mas os partidos nasceram por causa da pressão exercida por quem não tinha acesso ao Parlamento. No início do Estado liberal, a idéia de partido era inaceitável, pois se considerava que o Parlamento devia ter unidade de formação e pensamento, não comportando divisões ou "partes" (o que a palavra partido expressa) . Votavam e eram votados, na prática, apenas os que possuíam propriedades e riqueza, ou seja, aqueles que podiam viver para a política, já que não precisavam se preocupar com seu sustento. Assim, o Parlamento reunia os proprietários. Estes discutiam as leis que regeriam a sociedade como um todo com base na visão deles.
Somente quando outros setores da sociedade começaram a lutar por par­ticipação na vida política institucional, principalmente os trabalhadores or­ganizados, os partidos políticos começaram a aparecer e a defender interesses diferentes: de um lado, o daqueles que queriam mudar a situação e, de outro, o daqueles que queriam mantê-la.
Pelas razões expostas, o pensador francês Claude Lefort, em seu livro A in­venção democrática (1983), afirma que é uma aberração considerar a democracia uma criação da burguesia. Essa classe sempre procurou impedir que o libera­lismo se tornasse democrático, limitando o sufrágio universal e a ampliação de direitos, como os de associação e de greve, e criando outras tantas artimanhas para excluir a maior parte da população da participação nas decisões políticas. Por isso, para ele, a democracia é a criação contínua de novos direitos. Não é apenas consenso, mas principalmente a existência de dissenso.
Alguns autores procuram analisar os aspectos institucionais da questão democrática. Para Joseph Schumpeter, Giovani Sartori, Robert Dahl, Adam Przeworski, Guillermo O'Donnell, entre outros, há a necessidade de serem preenchidos alguns critérios para haver democracia num país:
● Eleições competitivas, livres e limpas para o Legislativo e o Executivo;
● Direito de voto, que deve ser extensivo à maioria da população adulta, ou seja, cidadania abrangente no processo de escolha dos candidatos;
● Proteção e garantia das liberdades civis e dos direitos políticos mediante instituições sólidas, isto é, liberdade de imprensa, liberdade de expressão e organização, direito ao habeas corpus e outros que compreendem o compo­nente liberal da democracia;
● Controle efetivo das instituições legais e de segurança e repressão - Poder Judiciário, Forças Armadas e Forças Policiais. Isso possibilitaria avaliar o genuíno poder de governar das autoridades eleitas, sem que estas fossem ofuscadas por atores políticos não eleitos, como as instituições apontadas, que muitas vezes dominam nos bastidores.
Essas condições institucionais garantiriam a efetivação da democracia representativa.
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos pro­põe outros elementos para analisar a questão da democracia e da representação. Ele afirma que a democracia no mundo contemporâneo nos oferece duas imagens muito contrastan­tes. Por um lado, a democracia representativa é considerada internacionalmente o único regime político legítimo. Por outro, existem sinais de que os regimes democráticos, nos últimos vinte anos, traíram as expectativas da maioria da população, principalmente das classes populares.
As revelações mais freqüentes de corrupção permitem concluir que os go­vernantes legitimamente eleitos usam o mandato para enriquecer à custa do povo e dos contribuintes. Há também o desrespeito dos partidos por seus programas eleitorais logo após as eleições, o que faz os cidadãos sentirem-se pessimamente representados e acreditarem cada vez menos na democracia representativa.


A sociedade disciplinar e a sociedade do controle

Até aqui vimos análises sobre o poder e a política que privilegiam suas relações com o Estado. Mas existem pensadores que analisam a questão do poder e da política de modo diferente: não dão primazia às relações com o Estado, mas a elementos que estão presentes em todos os momentos de nossa vida. Entre eles, destacamos os franceses Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995).
Foucault se propôs analisar a sociedade com base na disciplina no cotidia­no. Para ele, todas as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem. Assim acontece na família, na escola, nos quartéis, nos hospitais, nas prisões, etc., pois o fundamental é distribuir, vigiar e adestrar os indivíduos em espaços determinados. Diz ele que, além dos aspectos institucionais ou até jurídicos dessas instituições, esse poder desenvolve-se por meio de gestos, atitudes e saberes. É o que chama de "arte de governar", entendida como a racionalidade política que determina a forma de gestão das condutas dos indivíduos de uma sociedade. Nesse sentido, ele afirma: "nada é polí­tico, tudo é politizável, tudo pode tornar-se político".
Seguindo as pistas de Foucault, Deleuze declara que vivemos ainda numa sociedade disciplinar, mas já estamos percebendo a emergência de uma sociedade de controle.
A sociedade disciplinar é a que conhecemos desde o século XVIII. Ela procura organizar grandes meios de con­finamento: a família, a escola, a fábrica, o exército e, em alguns casos, o hospital e a prisão. O indivíduo passa de um espaço fechado para outro e não pára de recomeçar, pois em cada instituição deve aprender alguma coisa, prin­cipalmente a disciplina específica do lugar.
Na sociedade disciplinar, a fábrica, por exemplo, é um espaço fixo e confinado onde se produzem bens. A fábrica concebe os indivíduos como um só corpo, com a dupla vantagem de facilitar a vigilância por parte dos patrões, que controlam cada elemento na massa, e de facilitar a tarefa dos sindicatos, que mobilizam uma massa de resistência.
O que nos identifica, na escola, no exército, no hospital, na prisão ou nos bancos, é a assinatura e o número na carteira de identidade e na carteira profissional, além de diversos outros documentos.
A sociedade do controle está aparecendo lentamente, e alguns de seus indí­cios já são perceptíveis. Nela são usadas formas ultra-rápidas de controle, quase como prisões ao ar livre, na expressão de Theodor Adorno. Os métodos são de curto prazo e de rotação rápida, mas contínuos e ilimitados. São permanentes e de comunicação instantânea. Como não têm um espaço definido, podem ser exercidos em qualquer lugar. Exemplos de modos de controlar as pessoas constantemente são as avaliações permanentes e a formação continuada.
Outra forma de controle contínuo são os "conselhos" a respeito da saúde que estão presentes em todas as publicações, na televisão e na internet: "Não coma isso porque pode en­gordar ou aumentar o nível de colesterol ruim. Faça exercícios pela manhã ou pela tarde, desta ou daquela maneira, para ter uma vida mais saudável. Tome tal remédio para isso, mas não tome para aquilo". Os controles nos alcançam em todos os momentos e lugares. Não há possibilidade de fuga.
Se na sociedade disciplinar o elemento central de produção é a fábrica, na de controle é a empresa, algo mais fluido. Se a fábrica já conhecia o sistema de prêmios, a empresa o aperfeiçoou como uma modulação para cada salário, instaurando um estado de eterna instabilidade e desafios. Se a linha de produção é o coração da fábrica, o serviço de vendas é a alma da empresa. O marketing é agora o instrumento de controle social por excelên­cia - possui natureza de curto prazo e rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina é de longa duração, infinita e descontínua.
O lugar do marketing em nossa sociedade é evidente, uma vez que'somos todos vistos como consumidores. O convencimento é ao mesmo tempo externo (pela recepção da mensagem) e interno (pela própria natureza do convenci­mento). Ao ser interiorizada, a coerção afinal aparece como um imperativo. Se tudo pode ser comprado e vendido, por que não as consciências, os votos e outras coisas mais? A corrupção em todos os níveis ganhou nova potência.
O que nos identifica cada vez mais é a senha. Cada um de nós é apenas um número, parte de um banco de dados de amostragem. A quantidade de senhas de que necessitamos para nos relacionar virtualmente com as pessoas ou com instituições é enorme e, sem elas, ficamos isolados.
Se na sociedade disciplinar há sempre um indivíduo vigiando os outros em várias direções num lugar confinado, na sociedade do controle todos olham para o mesmo lugar. A televisão é um bom exemplo disso, pois milhares de pessoas estão sempre diante do aparelho. Na final do campeonato mundial de futebol em 2006, cerca de um bilhão e meio de pessoas estavam conectadas ao jogo.


Estado de exceção
Giorgio Agamben, filósofo italiano, era professor convidado da universidade de Nova York. Depois do ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, ao voltar de suas férias na Itália, Aganiben desistiu de lecionar naquela universidade, porque lhe foram impostas várias Condições, no aeroporto, para que entrasse no país: fichamento, coleta de impressões digitais, revista e outras exigências. Ele disse que não se submeteria às imposições, pois eram procedimentos aplicados a criminosos na prisão, e não a cidadãos livres. Esse fato teve grande repercussão internacional, pois com sua postura Agamben questionava o que estavam fazendo com cidadãos em todo o mundo.
O filósofo observa que hoje os cidadãos são con­tinuamente controlados e consideram isso normal. É o primeiro passo para que os regimes democráticos se tornem autoritários, com a carapaça de democracia.
Olhe a sua volta e observe que está sendo fil­mado em todos os lugares. Há câmeras nas entradas e elevadores dos edifícios residenciais e comerciais, nos bancos, nas ruas e também nos corredores das universidades.
Você sabia que somente na Inglaterra foram insta­lados 4,5 milhões de câmeras de vigilância na última década e que um habitante de Londres é filmado tre­zentas vezes por dia? Mas não é só lá. Em Clementina, uma cidade de 6 mil habitantes no interior de São Pau­lo, foram montadas torres de 25 metros com câmeras para fazer a vigilância da cidade. A justificativa é que essas câmeras, que capturam imagens a até dois quilô­metros, intimidam os bandidos e auxiliam a polícia.
Giorgio Agamben chama de Estado de exceção o tipo de governo dominante na política con­temporânea, que transforma o que deveria ser uma medida provisória e excepcional em técnica permanente de governo.
Para Agamben, o Estado de exceção significa simplesmente a suspensão do ordenamento jurídico: a anulação dos direitos civis do cidadão e seu estatuto jurídico corno indivíduo. Ele defende a idéia de que o paradigma político do Ocidente não é mais a cidade, mas o campo de concentração. Vistas por essa ótica, as práticas de exceção contemporâneas, engendradas por um Estado policial protetor, fazem da política do terror e da insegurança o princípio gestor, estimulando, cada vez mais, a privatização dos espaços e o confinamento no interior deles.
1- Manter os indivíduos sob vigilância constante é um procedimento necessário para prevenir a violência e a possibilidade de ações criminosas!
2- Há medidas não repressivas ou invasoras da vida particular mais eficazes! Aponte algumas.

 Por: Prof. Manuel Raposo


Fonte (Transcrição Literal): TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o ensino médio. Vol.único (Manual do Professor). 2 ed. Editora. SARAIVA. São Paulo. 2010.


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